Ele era amigo da minha amiga Deusdet do Carmo Matins in memoriam
Wilson Senne
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A hora e vez do prof. Marcus Matraga
Nunca vi alguém se identificar tanto com um personagem de Guimarães Rosa a ponto de reclamar para si o apelido: Matraga. Tanto mais por não se tratar de um herói invejável, ao contrário, o Matraga de Rosa é vítima de uma emboscada, no início do conto, e morre de tiro, ao final.
Mas as coincidências param por aí: o personagem Augusto Matraga morreu num duelo em praça pública e cercado por testemunhas, enquanto o prof. Marcus Matraga foi vítima de um tiro na nuca numa estrada deserta, com tudo indicando um covarde crime de mando, sob circunstâncias que ainda estão sendo investigadas (tomara!).
Não se sabe ainda se o assassinato teve motivações políticas; comentou-se desde logo que o prof. Vinicius pudesse estar envolvido como mediador em conflito de terras indígenas. Mas, banalizada como anda a criminalidade, também pode ter sido vitimado por muito menos. De todo modo, a possibilidade de uma tal motivação política, em se tratando do prof. Matraga, tem toda procedência e precisa ser investigada.
Desde que o conheci, logo que chegou na Bahia, em 1990, o prof. Vinicius apresentou-se como alguém que, se tinha pouca bagagem acadêmica (ele ainda estava inscrevendo-se no mestrado), já acumulava, em compensação, um bocado de experiência com a militância política, com forte envolvimento com a reforma sanitária e a luta antimanicomial. Mesmo depois, enquanto consolidou carreira acadêmica com dedicação exclusiva, Vinicius nunca deixou de se vincular intensamente com um "lado de fora" político-institucional e relativo às práticas profissionais da psicologia - com destaque para sua participação nos Conselhos da categoria e junto ao Ministério da Saúde.
Esta foi, creio, sua principal contribuição para a formação em psicologia: a ligação visceral com os temas e problemas do presente histórico, o sentido de um "compromisso" com o social inseparável da atividade crítica, ou melhor, da praxis de uma crítico-clínica - exercício de uma reflexão que era também engajamento político e luta. Além de dezenas de publicações acadêmicas, o prof. Matraga deixou registro ainda mais extenso de sua presença em congressos, seminários, encontros... Falar aos quatro ventos era com ele mesmo. Lembro do prof. Matraga ao microfone em cima de um caminhão de som, em manhã de domingo, liderando uma passeata do Orgulho Louco a caminho do Farol da Barra... Seu ativismo também não dispensava o uso das redes sociais, com média de várias participações diárias durante anos, sobre os assuntos de interesse geral com os quais desde sempre se envolveu " desigualdade social, políticas públicas, direitos humanos, reforma psiquiátrica, saúde mental, clínica psicossocial...
Com mestrado e doutorado em saúde pública/coletiva, coordenando estudantes em campo com pesquisa sobre "intensificação de cuidados", à frente de um "Laboratório de Estudos Vinculares"...de muitas maneiras o prof. Marcus Vinicius inscreveu seu nome no amplo movimento do campo da psicologia que, nas últimas décadas, convergiu para o "social" enquanto "profissão da área da saúde".
Como um dos principais protagonistas deste movimento, sua brutal desaparição, além de deixar muita saudade entre seus parentes e amigos, representa uma perda irreparável para o campo da psicologia, e, particularmente, para a formação em psicologia, com a qual o prof. Vinicius, mesmo aposentado, continuava colaborando, participando de eventos com profissionais e estudantes, animando encontros e congressos com sua presença sempre inflamada e estimulante.
http://memorialmatraga.com.br/ver_homenagem.aspx?id=25
Nota da APSP de pesar e indignação pelo assassinato de Marcus “Matraga” Vinícius de Oliveira, em 9 de Fevereiro de 2016
A notícia do assassinato do Professor Marcus “Matraga” Vinícius nos chegou como um choque de difícil registro. Professor aposentado da Universidade Federal da Bahia, fundador da Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA, incansável e destemido defensor do SUS e dos Direitos Humanos; ele foi covardemente sequestrado e morto com um tiro na cabeça, enquanto mediava conflitos por terras quilombolas, no interior da Bahia.
Marcus Vinícius sempre teve uma sensibilidade ímpar para perceber e combater a injustiça. Viveu e morreu tragicamente, lutando ao lado dos injustiçados. O tiro que o alvejou veio carregado pela ganância e iniquidade que ainda marcam nossa sociedade. O tiro que o alvejou trazia em seu rastro uma história de desigualdade social, de concentração de terra e renda, de racismo, impunidade e violência estruturais, que ainda marcam o Brasil, como os grandes donos de terra marcam seu gado e suas cercas.
“Somos poucos e estamos morrendo”, escreveu Ludmilla Correia na rede social Facebook – militante de Direitos Humanos e da Luta Antimanicomial. Lutadores como Marcus Vinícius, representantes históricos da luta pelos Direitos Humanos, morrem, mas não se vão. Permanecem como o rastro das estrelas já mortas que ainda nos norteiam à noite, continuamente inspirando as novas e velhas gerações, como faziam em vida.
A morte de Marcus Vinícius nos entristece, mas também nos fortalece na convicção de que é preciso lutar por maior justiça social e igualdade. Representantes da APSP têm mantido contato com membros da Secretaria de Justiça do Estado da Bahia, atra´ves da Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos, buscando que o Ministério Público cumpra seu dever constitucional e acompanhe de perto o ocorrido. Um ofício será enviado em breve. Este crime não ficará impune. Exigimos que o Estado brasileiro, por todos os meios ao seu alcance, faça justiça, identificando e punindo executores e mandantes! Marcus Matraga, PRESENTE!
https://apsp.org.br/nota-da-apsp-de-pesar-e-indignacao-pelo-assassinato-de-marcus-matraga-vinicius-de-oliveira/
Nota do Spin Memorial
Link para a imagem que iljustra o post
http://www.ibahia.com/salvador/detalhe/noticia/manifestantes-cobram-agilidade-na-investigacao-da-morte-do-professor-marcus-matraga/
Nota do Spin Memorial
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